Ana Cláudia San Miguel Marcello1*; Fernando Franco Polizel2;
1Discente do curso de Medicina Veterinária da Fundação Educacional de Andradina
(FEA); 2 Docente do curso de Medicina Veterinária da Fundação Educacional deAndradina (FEA) anaclaudiasmm09@gmail.com
1.INTRODUÇÃO
Um dos principais pilares da produção é a reprodução, tal condição pode ser prejudicada com a diminuição da fertilidade ou distúrbios reprodutivos pós-parto (Gilbert RO, 1992). As doenças reprodutivas mais comuns são: metrite, endometrite, piometra, retenção de placenta e algumas infecções inespecíficas do útero (Deori S, Arundhati P., 2015). A metrite e a endometrite clínicas são consideradas patologias fatoriais, as causas podem ser ambientais ou nutricionais, afetando todo o rebanho, ou individuais, como por exemplo a idade, como uma característica variável e particular de cada animal do rebanho (Mounir A., Rachid K., Christian H., Gary CW, 2017).
Ocorre ainda as anormalidades na diferenciação sexual descrita em várias espécies, incluindo os bovinos. Entre essas alterações do desenvolvimento temos como exemplo: agenesias e hipoplasias (Basrur et al., 1969; Zenteno-Ruiz, 2001; Basrur e Basrur, 2004; Coppola et al., 2007; Payan-Carreira et al., 2008).
2.INFECÇÕES UTERINAS
A inflamação do útero é o resultado de infecções inespecíficas. Isso acontece, pois a microbiota vaginal é composta por diversos microrganismos, onde patógenos oportunistas podem invadir o útero durante o coito ou durante o período pós-parto onde, já que o colo do útero ainda permanece dilatado. O útero saudável consegue eliminar as infecções transitórias, em contrapartida, as infecções persistentes levarão a endometrite ou metrite clínica que tem efeito prejudicial na fertilidade (Sheldon, 2004). Os fatores de risco são aqueles que levam a algum trauma no endométrio, principalmente a retenção de placenta (Hussain et al., 1990; Peeler et al., 1994; Dubuc et al., 2010; Potter et al., 2010).
2. RETENÇÃO DE PLACENTA
A retenção de tecidos placentários é o principal fator de risco para o aparecimento de outras patologias, como metrite e endometrite, e com maior incidência em rebanhos leiteiros. O tecido residual torna-se um meio favorável a multiplicação de bactérias, além de retardar a involução do útero e da camada endometrial. Outro ponto desfavorável é a manutenção da abertura do colo uterino, favorecendo mais uma vez ao risco de uma possível infecção bacteriana do endométrio (Iain, MS, Sian EO, 2017). Indiretamente, as gestações prolongadas, partos induzidos, partos distócicos, partos gemelares e natimortos aumentam ainda mais a ocorrência de metrite e endometrite, tendo a retenção de placenta como ponto de partida (Abdel MA, Emad S, Gohary EL, Gabr AA, Ahmed SA, Ebrahim SA et al., 2016).
2.1 METRITE
A metrite é a inflamação da camada endometrial e porção muscular do útero (Kahn C, Line S., 2005). Na metrite ocorre um aumento uterino com conteúdo aquoso de cloração vermelho-amarronzado e secreção purulenta esbranquiçada, geralmente de odor fétido. Sua gravidade varia entre casos leves, podendo levar a toxemia, sendo diferenciada por meio dos sinais clínicos do animal, geralmente ocorrendo dentro dos 10 primeiros dias pós parto (Zwald et al., 2004).
2.2. ENDOMETRITE
A endometrite é a inflamação da porção funcional, o endométrio, que é a mucosa do útero (Blood et al., 2011). A forma clínica da doença é caracterizada de secreção purulenta, detectável por volta dos 21 dos pós parto ou secreção mucopurulenta por volta dos 26 dias pós parto (LeBlanc et al., 2002). Na ausência da forma clínica (cerca de 35 a 40 dias pós parto) e redução significativa do desempenho reprodutivo pode ser um indicativo da doença na forma subclínica, caracterizada pela
inflamação do endométrio e ausência de secreção purulenta, definida pela proporção de neutrófilos polimorfonucleares que excedem os limites em amostras coletadas por lavagem do lúmen uterino (Sheldon et al., 2006; de Boer et al., 2014).
2.3 PIOMETRA
A piometra tem acúmulo de material purulento ou mucopurulento no lúmen uterino e distensão do útero, onde o colo uterino permanece fechado e há presença de corpo lúteo ativo (Noakes et al., 1990). Embora haja fechamento funcional do colo uterino, o lúmen nem sempre está completamente fechado e o pus pode ocasionalmente passar do colo do útero para o lúmen vaginal. A piometra é caracterizada através de ultrassonografia, por fluido de ecodensidade mista no lúmen uterino com distensão, e presença corpo lúteo no ovário (Sheldon et al., 2006).
2.4 DIAGNÓSTICO
O diagnóstico das infecções uterinas se dá por meio da avaliação da secreção cervicovaginal, sendo essa uma das ferramentas mais importantes para observar alterações no processo de involução uterina. Os aspectos visuais dessa secreção e os resultados de citologias e culturas bacterianas do conteúdo uterino apresentam relação (Sheldon e Dobson, 2004; Willians et al., 2005). A microbiota presente na secreção pode refletir o grau de contaminação uterina no pós-parto precoce (Rocha et al., 2004; Willians et al., 2005). O uso de um vaginoscópio auxilia na avaliação da secreção, quando não ocorre a eliminação através da vulva (Nakao et al., 1997; Simões et al., 2004). O exame manual facilita a coleta de fluido da vagina para avaliar a presença e odor de pus, que pode ser usado para avaliar a gravidade da doença e o provável tratamento (Sheldon et al., 2006). O mesmo também permite ao examinador detectar regiões lesionadas na parede e colo do útero, no entanto, a avaliação das doenças é subjetiva, e havendo variação de examinador para examinador (Sannmann e Heuwieser, 2015). Nos achados hematológicos é possível observar anemia devido a inflamação que é capaz de reduzir o número de hemacias (Praveena et al., 2010; Steven, 2000). Entre as ferramentas de diagnóstico comumente usadas, a palpação retal é provavelmente o método mais comum para o diagnóstico de infecções uterinas (LEBLANC, SJ et al., 2002). A ultrassonografia pode ser útil para diferenciar uma involução uterina normal ou atrasada (Rajamahendran et al., 1994; Zain et al., 1995; Kask et al., 2003; Simões et al., 2004). A coleta de material uterino para análises laboratoriais requer a escolha de uma técnica adequada, capaz de representar o conteúdo fidedigno sem irritar o endométrio. Células endometriais e inflamatórias podem ser coletadas por meio de swabs, raspados endometriais, lavados uterinos ou biópsias (Kasimanickam et al., 2005).
2.5 TRATAMENTO
Para o tratamento, ceftiofur sódico IM pode ser usado por 3 a 5 dias, pois age no útero em níveis que excedem as concentrações inibitórias médias para Arcanobacterium pyogenes, Fusobacterium necrophorum e Escherichia coli. Durante um estudo envolvendo vacas afetadas com metrite pós-parto, o ceftiofur foi administrado diariamente por 5 dias e foi considerado tão eficaz quanto a penicilina G procaína ou penicilina G procaína, mais infusão intrauterina de oxitetraciclina para o tratamento (SMITH, Billy I. et al., 1998). A oxitetraciclina provavelmente não é a melhor opção para terapia sistêmica (Risco, Carlos A.; Youngquist, Robert S.; Shore, M. Dawn, 2007). Antibióticos adicionais comumente usados para o tratamento de metrite incluem cefalosporinas de terceira geração, ou uma combinação de ampicilina com oxitetraciclina ou cloxacilina (Djuricic, D. et al., 2012). O uso de Anti-inflamatórios não esteroides como flunixina meglumina, via intramuscular duas vezes ao dia (mínimo de três dias), tem função de anti-inflamatório, antipirético e analgésico (Abdullah, f. F. J. et al., 2015).
Existem diferentes terapias intrauterinas com antissépticos, antibióticos e moduladores imunológicos que são infundidos no útero para eliminar a infecção bacteriana, estimular o mecanismo de defesa ou aumentar o fluxo sanguíneo para o útero (Deori, s.; Phookan, Arundhati, 2015), além de alternativa ao PGF2α, sendo valiosa quando o corpo lúteo não está presente na vaca afetada (Sheldon, 2004).
3.AGENESIA
A agenesia trata-se de uma alteração hereditária de desenvolvimento, identificada pela ausência ou formação incompleta de estruturas anatômicas. No caso dos órgão que são pares, pode ser unilateral ou bilateral. Essa malformação pode ser observada em qualquer estrutura do sistema reprodutivo de fêmeas ou machos (Ramos, 2008). O diagnóstico é realizado por meio de exames clínicos como a palpação da vulta ou palpação transretal para avaliar a presença de agenesia dos órgão internos (cérvix, útero e ovários), como exames complementares o ultrassom também pode ser realizado a fim de avaliar as estruturas internas (Ramos, 2008). A agenesia de estruturas como tuba uterina só é observada quando o animal apresenta falhas na reprodução, geralmente observada pós mortem (Ramos, 2008). Devido ao perfil hereditário os animais diagnosticados com agenesia são descartados da reprodução (Grunert et al., 2005).
4. HIPOPLASIA
Os animais acometidos pela hipoplasia do aparelho reprodutor apresentam trato reprodutivo infantil e sinais de subfertilidade ou infertilidade (Vendruscolo et al., 2005; Valle, 1991). Os órgãos mostram-se menores e com funcionalidade comprometida, podendo ser unilateral ou bilateral no caso de órgãos pares (Carmo et al., 2009). A hipoplasia pode acorrer em todas a espécies animais, sendo uma anomalia comum no desenvolvimento (Carmo et al., 2009). Em casos unilaterais ou parciais os animais apresentam de estros irregulares, já na bilateral ou total o estro
não é manifestado (Valle, 1991).
O diagnóstico pode ser realizado através da palpação transretal com órgão de anatomia menor e flácidos (McKinnon e Voss, 1992). É importante a realização de diagnóstico diferencial para ovários afuncionais, pois tal patologia é adquirida e tratável, enquanto a hipoplasia é irreversível e de caráter hereditário (Ramos, 2008). Quando essa condição é identificada, o animal deve ser descartado do rebanho, principalmente sendo um animal de produção, pois afeta os índices zootécnicos do rebanho. Os animais que apresentam a forma bilateral total são estéreis, porém, os animais que apresentam a forma unilateral ou parcial sendo essas, formas mais brandas da hipoplasia tem a possibilidade de transmitir essas características a sua prole por ser de caráter hereditário (Ramos, 2008).
CONCLUSÃO
As infecções bacterianas do endométrio que causam doenças uterinas são comuns no gado leiteiro e diminuem a produção e fertilidade (Sheldon et al., 2009). Durante o parto, a abertura da vulva, vagina e cérvix torna possível a invasão do sistema reprodutor por microorganismos. As alterações nos mecanismos de defesa vão contribuir para o estabelecimento de doenças uterinas. As modificações no ambiente uterino acarretam em atraso no retorno do animal na reprodução (Sheldon e Dobson, 2004; Sheldon et al., 2006, 2008, 2009). Desse modo, quanto antes é realizado o diagnóstico de tais patologias, mais eficaz e viável é o tratamento, assim como o retorno do animal as atividades mais cedo. Um pré parto de qualidade, com suporte nutricional e de manejo adequado, é essencial na prevenção das doenças uterinas, o acompanhamento da gestação e piquetes pré parto são fatores importantes para que haja o suporte da melhor maneira e o mais imediato possível.
As malformações genitais e a redução da saúde reprodutiva ocorrem por influência humana na busca de animais de alta produção, em virtude desta, a seleção genética para determinação dos cruzamentos é de extrema importância para evitar que anomalias hereditárias sejam transmitidas. Animais com alterações reprodutivas diagnosticadas são convencionalmente eliminados da reprodução, para que o índice de nascimento de animais indesejáveis seja cada vez menor (Basrur e Basrur, 2004).
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